terça-feira, 8 de junho de 2021

Uma carta para mim próprio em 2019 ou como os Jogos de Tabuleiro me marcaram


Mais fotografias em: Micael Sousa (@micaelssousa) • fotos e vídeos do Instagram

Olá Nuno, 

Daqui é o Nuno de 2021. Chegaste a casa com o teu (meu) filho e ele aprendeu a jogar Magic por acaso em casa de um amigo. Tu já viste este jogo e tens um baralho algures num armário. 

Sim, o armário que tem o Party Co, o Monopólio, o Xadrez, o Uno, o Scrabble. 

São jogos que tens parados não é? São sempre a mesma coisa (ok menos o Xadrez). 

E se eu te disser que desde que jogaste Catan em 2001, muito mudou?

Posso dizer-te que somos a mesma pessoa mas ao mesmo tempo somos diferentes. 

Na tua vida frenética, estás a tentar encontrar um hobby que te acalme mas desafie ao teu ritmo. 

Estás à procura de algo que possas ter em comum com o teu filho. Estás à procura de uma distração construtiva. 

Bem-vindo ao mundo dos Jogos de Tabuleiro. Nos próximos dois anos vais viver uma grande aventura, desculpa, muitas aventuras. Deixa-me ajudar-te

Vais começar com jogos mais simples, rápidos, tu adoras jogos de cartas. Além do Magic (que não é assim tão simples) vais começar na construção de decks: Star Realms, Dominion. 

Vais gostar de alguns “Push your Luck” também jogos pequenos como o Port Royal ou o Oh My Goods. Vais aperceber-te que as cartas podem ter muitas funções, e vais gostar disso. 

Vais conhecer os dados como nunca conheceste, em que ser o maior resultado não significa ser melhor: Castles of Burgundy, Grand Austria Hotel, La Granja e o controverso Marco Polo.

Vais começar a decidir como alocar recursos com a beleza do Everdell, a dureza de um Agrícola, ou a simplicidade de um Walnut Grove

E tu, que adoravas o Civilization no teu computador, vais apreciar o Nations, e vais demorar muito tempo a jogar o Through the Ages. Vale a pena.

Vais saber que nem sempre há um vencedor e um perdedor. Há jogos cooperativos: O Hanabi, o Magic Maze, A tripulação ou o Marvel Card Game. Todos podem perder, mas a sensação de ganhar como um todo é fenomenal. 

Há artes magistrais, que te transportam para o tabuleiro, como o já mencionado Everdell ou o Ruins of Arnak, ou mesmo o Marco Polo. 

Vais ficar parado a decidir o que fazer num Ora et Labora. Só tem 41 edifícios mas tem tanto para decidir. 

Vais rir-te a juntar fações como os Zombies e os Piratas no Smashup, ou vais adormecer a ler as regras do Terra Mystica. 

Vais aprender regras num dia que não achavas que fosses conseguir. Vais falar de forma próxima com desconhecidos, vais ganhar e vais perder por poucos. Vais mostrar novos mundos ao teu filho, vais ficar a olhar para ele a raciocinar em voz alta. 

Eu sei que ao dizer estes nomes, podes não sentir nada por agora, mas vais sentir. Desculpa-me.

Vais ver vídeos de outras pessoas que partilham a paixão por este mundo e que, de forma altruísta, o fazem muito bem. Vais fazê-lo depois de dias difíceis e vão ajudar-te a “desligar”.

Vais ter respostas dos autores dos jogos às tuas dúvidas, vais falar com pessoas do outro lado do mundo. 

Vais arrumar os componentes ordenadamente, tu que és um desarrumado. 

Vais ficar a olhar para as caixas, vais chegar às lojas ou Associações e olhar para os armários como olhas para os teus amados livros.

Aproveita a viagem. Cada momento. Cá estarei para te receber, não no fim mas em mais uma etapa.


autor: Nuno Seleiro

quarta-feira, 17 de março de 2021

Três anos a arriscar o “cú” no Youtube

Passaram 3 anos a correr, como quem sai disparado para entrar numa casa de banho. E quem mais sofreu foi aqui este espaço, tais eram outras aflições. Quase todo o tempo disponível que tinha para criar conteúdos foi sugado pelo formato vídeo. Sou youtuber há 3 anos! Parece estranho, mas é verdade. Podem ver aqui, é mesmo um facto que consta dos anais digitais: www.youtube.com/c/jogosnotabuleiro

Eu, um gajo até tímido um youtuber? Um gajo que e atrapalhava todo a falar em público e em dizer mais que três palavras seguidas! Se calhar foi por isso mesmo que a coisa me tem motivado. Meter-me a produzir conteúdos vídeo foi como atirar-me para uma tempestade somente com uma boia. Atirar-me sem pensar nos riscos efetivos.

O perigo era constante, mas aprendi a nadar à força. Aprendi a nadar e a digerir. Aliás, o perigo é permanente, porque é perigoso falar em total liberdade quando se usa de alguns estilismos. Nesta ditadura do politicamente correto e da ânsia do cancelamento instantâneo só quem não tem cú é que não tem medo. E eu tenho um, como a esmagadora maioria de quem vai obrando por aí. Se calhar não conhecem esta expressão do “cú”, mas pronto, é pelo uma expressão conhecida aqui da minha zona. Não que seja do “cú”, mas conhecida na zona onde vivo. E com isto já arrisquei bastante o meu “cú”, ainda por cima eu que era tão ciente dele. Que seja uma ode à liberdade de dizer repetidamente “cú”, com tudo o que isso acarreta e liberta de simbolismo. 

Não sei se me fiquei apenas pela natação de sobrevivência neste mundo de constantes vagas de vídeo. Também mergulhei, para o bem e para o mal. Foi aprender do zero. Tentar comunicar melhor, ou comunicar efetivamente e de facto. Tentar passar as ideias para o concreto. Errar e aprender, tal como nos jogos, embora a exposição e o perigo existam. Lá está, o “cú” está sempre em risco. E por vezes, um conteúdo deslocado, mal digerido pode cheirar muito mal. É preciso engolir alguns orgulhos e ter capacidade de digerir certas criticas, mas depois, com a devida preparação, tudo acaba por sair, ficando somente os nutritivos ensinamentos daa experiência interativa.

Mas foi só isso que ganhei? Uma melhor capacidade de desencaixe e escoamento de ideias? Não, ganhei rede social real. Conheci imensas pessoas, outros “cús” bem mais formosos que o meu. Foi uma forma de poder participar em múltiplos projetos relacionados com jogos, de meter o “cú” a novos trabalhos. Hoje estou ligado a alguns projetos de "serious games", e acredito que todos os conteúdos que criei – especialmente os vídeos – foram uteis nesse caminho das pedras, quiçá das pedras dos rins, daquelas que doem a sair. 

Falar de “cús” e seus temores é uma coisa séria. Falar de jogos também, embora mais incerto. Tudo é sério e não sério, mas nem tudo é divertido. Até porque “cús” há muitos e cada um tem o seu poder de encaixe. Consciente disso tentarei continuar a obrar, mas sem mostrar tudo, pois há certas coisas que nem eu quero ouvir falar, quanto mais ver. 

autor: Micael Sousa


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Efeitos parasitários nos jogos de tabuleiro de massas e de hobby

Este ano que terminou foi um ano atípico, todos sabemos. Foi igualmente estranho para o mundo dos jogos de tabuleiro. Devido às restrições algumas pessoas passaram a jogar mais e outras muito menos. Alguns dos ditos “gamers” de hobby tiveram de reinventar hábitos. Os encontros públicos deixaram de poder acontecer tal como de hábito. Muitos de nós tivemos de jogar mais em modo solo – no meu caso era um modo que desprezava completamente. Outros dedicaram-se às plataformas online de emulação de jogos de tabuleiro – confesso que estas não me seduziram. Alguns conseguiram jogar mais em família, com as suas respetivas companheiras e companheiros, inventando também formas de jogar em casa em encontros mais restritos, alguns com máscaras e gel desinfetante à mão. 

Surgiram notícias de que, mesmo entre os jogadores casuais ou pessoas que não jogavam há muito tempo, houve uma procura maior por jogos de tabuleiro. Foi uma resposta à necessidade de encontrar atividades alternativas para toda a família ou para fazer com quem partilhasse a mesma casa ou convivesse num círculo social mais restrito. Mas como, muito provavelmente, estas pessoas apenas acederam aos jogos que já conheciam da infância. É normal, vamos sempre seguir ou comprar o conhecemos, especialmente porque entra em jogo também o efeito de nostalgia. Dificilmente alguém arrisca gastar dezenas de euros numa coisa que não conhece e muito menos numa que exige um processo de aprendizagem considerável. Vivemos na era do imediato, quer queríamos quer não. 



O que me pareceu ser realmente desconfortável neste fenómeno foi o modo como a coisa foi publicitada ou manipulada. Estava já no ar, mesmo antes do Covid-19, a noção de que havia um ressurgimento de interesse pelos jogos de tabuleiro. Mas, muitas vezes, a mensagem passava para o grande público como um efeito de nostalgia, do voltar aos jogos do passado. Muitas pessoas podem ter voltado aos jogos de infância, mas sabemos que não são esses jogos que alimentam as feiras internacionais, os conteúdos criados sobre o hobby e até novas profissões e formas de usar os jogos em múltiplos contextos. Parece-me que as empresas que produzem e distribuem os jogos do mercado de massas, aqueles da nossa infância que todas as pessoas conhecem, mas agora replicados em formas supostamente mais moderna mas que no fundo são a mesma coisa há décadas, se aproveitaram do fenómeno de crescimento dos jogos de hobby para insistir com a venda dos jogos do costume.

Isto pode ter efeitos positivos se as pessoas que voltam aos jogos antigos se aperceberem que existem outros. Mas se quem voltar a estes jogos ficar só por aí, pode ficar com uma ideia muito distorcida sobre o que tem sido o ressurgimento do fascínio de jogar jogos analógicos e sobre as inovações associadas ao desenvolvimento destes produtos criativos de autor. Pensar que o hobby dos jogos de tabuleiro se resume a jogar os jogos de infância é uma visão perigosamente fácil de se implementar. Vai surgir frustração e são imensos potenciais jogadores que perdemos. Estas pessoas podem ficar com a ideia que todos os jogos de tabuleiro consistem em lançar dados para andar numa barra de progressão ou às voltas, que se trata apenas de mecânicas alectórias que determinam os resultados, as casas onde calhamos e as cartas disponíveis para jogar. Casos em que é o jogo que nos joga e não o inverso. Podem pensar que são infantis ou que têm de perder uma noite inteira com um jogo do qual podem ser eliminados logo no início. Podem pensar que têm de ler uma enciclopédia antes de os poder jogar, que vão estão num duelo a ter de pensar 50 jogadas à frente ou a lançar um dado que determina o desfecho de uma batalha sem qualquer outro efeito que o possa influenciar. Os jogos de tabuleiro modernos podem ter isto, mas normalmente têm muito mais ou implementam novas formas de gerar experiências que nos marcam. 

Já se percebeu que receio este efeito parasitário dos jogos do mercado de massas, mas as editoras e os jogadores dos jogos de hobby têm alguma responsabilidade também nisto? Até que ponto os jogos de hobby não se têm colado também a estes jogos que uma grande maioria de nós despreza? Ficam as dúvidas no ar… quem sabe até surgir uma vacina que nos salve o hobby. 


autor: Micael Sousa

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Como o GEST levou os jogos de tabuleiro modernos ao Hospital Dona Estefânia: Uma experiência de voluntariado na área dos jogos de mesa

Contar a história do projecto Jogos ao Serviço necessita de algum contexto, principalmente no que toca ao grupo que começou o projecto, o GEST.

O GEST, Grupo de Estratégia, Simulação e Táctica é o grupo de jogos de mesa, tabuleiro e miniaturas do Instituto Superior Técnico, aliás funciona como secção autónoma da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico, sendo não só uma das mais antigas secções autónomas da AEIST, como um dos mais antigos grupos de jogos de Lisboa.


A dinâmica do GEST foi sempre variando ao longo dos anos, entre períodos de quase inactividade, até à organização bem sucedida de convenções de cultura popular de média dimensão. Na altura em que o projecto Jogos ao Serviço começou, o GEST tinha começado a organizar encontros de jogos de tabuleiro semanais no Técnico, com uma afluência regular média, chegando a encher duas salas, entre jogos de tabuleiro e RPGs. Na altura tentávamos descobrir novas formas de divulgar as actividades do GEST e o hobby dos jogos de mesa em geral. Foi então que, enquanto pensava sobre o assunto, me deparei com uma publicação no Facebook que assinalava uma data importante para a Operação Nariz Vermelho e a partir daí as ideias começaram a encaixar e a transformar-se num plano. Entrámos em contacto com o Hospital Pediátrico Dona Estefânia, por estar geograficamente próximo do Técnico, recordo-me especialmente do formulário de contacto ter uma extrema limitação de caracteres, foi um desafio explicar o que queríamos fazer em poucas palavras, mas pouco tempo depois tínhamos uma resposta interessada da parte do Gabinete de Comunicação do Hospital e a oportunidade de explicar o que queríamos fazer.  Nas comunicações e reuniões seguintes, a direção do GEST e o gabinete estabeleceram os objectivos da parceria. Iriamos uma vez por semana, à ala dos adolescentes do Hospital, ensinar e jogar jogos de tabuleiro modernos com os pacientes que estivessem presentes e interessados. Todo este trabalho foi feito em conjunto com o Tiago Serra, o Carlos Branco e mais tarde o Rafael Pereira, todos eles integrantes da direção do GEST. O Tiago Serra foi sempre o mais ambicioso nos jogos que propunha jogar nas sessões, o Rafael Pereira deu sempre uma dinâmica de ambição e tentativa de levar o projecto um pouco mais longe, o Carlos Branco teve sempre um enorme entusiasmo por levar o projecto adiante. Após alguma troca de ideias, chegámos ao nome "Jogos ao Serviço ", numa perspectiva quase religiosaa da palavra Serviço. 


As primeiras sessões foram bastante bem sucedidas. Houve adesão por parte de pacientes, visitantes e profissionais de saúde presentes. Ao longo dos meses seguintes fomos solidificando o projecto com orientação da direção do Gabinete de Comunicação e recrutando novos participantes. Foram muitos os jogos jogados e partilhados naquela ala, alguns deles das nossas coleções pessoais, outros, cedidos pela então Torre de Jogos, outros ainda da, na altura limitada, ludoteca do próprio GEST. Os critérios de escolha foram jogos curtos, fáceis de ensinar e preferencialmente que pudessem ser jogados por um mínimo de duas pessoas. Carcassone, Ticket to Ride, Ponte para El Dorado, Catan, Codenames, Trench, Abalone, Kamisado, Nutriventures , Saboteur, entre muitos outros. Destes, destaco o Carcassone, cuja simplicidade e versatilidade sempre foi uma mais valia neste contexto. 

O projecto foi um esforço colectivo e foi enquanto se manteve como tal foi bem sucedido. Os objectivos iniciais eram simples e directos e tínhamos os meios para os cumprir. Jogos, pessoas e tempo. Mais tarde começámos a recrutar mais voluntários e alguns deles garantiram várias sessões. O Jorge Rosa Alves, o Artur Alves, a Ana Miguens, a Carolina Pereira e a Cristina Alves foram incansáveis a aprender os jogos, a participar nas sessões e no cumprimento de todas as regras que o Hospital nos solicitava.

Durante as sessões interagimos sempre de forma construtiva com outros voluntários presentes no espaço e também com a professora que estava responsável pelo acompanhamento escolar dos pacientes de estadias mais longas. Muitas vezes, familiares e acompanhantes dos pacientes juntavam-se aos jogos e até algumas vezes, jogámos jogos propostos pelos presentes.

Ao longo do projecto levámos o hobby a dezenas, talvez centenas, de crianças de diferentes idades, origens, classes sociais e raças, providenciamos entretenimento com interactividade numa situação que para muitas destas crianças e adolescentes era crítica, mostrando a muitas dessas crianças, jogos que nunca tinham conhecido antes. 

O projecto acabou por terminar por um conjunto de diferentes razões. A mobilização dos voluntários não chegou ao ponto de dar ao projecto uma capacidade de continuar por si só. Na fase final, em grande parte por falha própria, já era um número reduzido de pessoas a garantir a maioria das sessões, o que não permitiu uma renovação geracional efectiva no projecto.

Ficou a experiência de ajudar aquelas crianças e adolescentes a ultrapassar um pouco melhor algumas das horas do seu internamento, a experiência de encetar uma colaboração institucional frutífera quase a custo zero e a oportunidade de, ao longo das nossas semanas de aulas e mais tarde, trabalho, termos algo que nos proporcionava uma enorme realização pessoal.


Autor: Saúl Pereira


quinta-feira, 30 de julho de 2020

O medo de ficar de fora nos Jogos de Tabuleiro

Como empresas que são, as editoras sabem explorar alguns dos nossos medos mais profundos. Um deles é o “medo de ficar de fora”, ou em inglês “Fear of Missing Out” (FOMO). Quando as editoras, especialmente as de maior dimensão e notoriedade, começaram a apostar fortemente em marketing este fenómeno cresceu. 


O Kickstarter (KS) ajudou ao processo, de uso de técnicas para nos cativar, oferecendo opções e produtos que dificilmente depois podemos adquirir. Temos os casos das edições de jogos que só passam pelo Kickstarter e os outros cuja edição (KS) é substancialmente diferente das versões que vão estar em loja, quer nos componentes quer em algumas adições e expansões que melhoram o jogo. Tudo isto parece ser feito para nos “obrigar” a comprar naquele momento, devido ao receio de estarmos a perder um produto único, que depois pode ficar mais caro ou totalmente indisponível. 

Já dei por mim a comprar com ânsia jogos que depois ficam parados na prateleira anos. Ao fenómeno do medo de ficar de fora junta-se o “colecionismo”. Reunir extensas coleções de jogos analógicos é uma tendência natural. Para muitos de nós fascina-nos a materialidade do jogo, e com isso vem o prazer de saber que os temos, mesmo que não os consigamos jogar. Trata-se do valor de posse, que pode ser um valor por si só suficiente para comprarmos um jogo. Por vezes coincide com o valor de jogar, outras vezes funciona como uma espécie de investimento. Há também quem guarde jogos para vender depois, especialmente quando os guardam intactos. 

Mas este investimento que refiro, na perspetiva do colecionar, prende-se mais com outro estado psicológico associado ao hobby dos jogos: o de ter na nossa coleção algo que pensamos que nos será útil no futuro. Entra novamente em jogo o medo de ficar de fora. Isto pode parecer absurdo, mas não é. Há aqui um equilibro que só se atinge com alguma maturidade e experiencia os jogos de hobby, embora dada a erros. Se já me arrependi de alguns jogos que comprei penso que me arrependi mais dos que não comprei e que hoje não consigo aceder. Se é verdade que um iniciante no hobby dos jogos de tabuleiro terá uma tendência para comprar tudo o que aparecer pela frente, pois tudo parece novo e fantástico, os jogadores mais experientes tendem a controlar esses impulsos. Existe muitos jogos bons a serem publicados todos os anos, mas há muitos que são “parecidos”. 

A vantagem de comprar alguns jogos mesmo que estejamos com dúvidas é que temos sempre aos nosso dispor um mercado de usados dinâmico, embora se perca algum dinheiro. Por isso, havendo dinheiro disponível, alguns jogos são realmente imperdíveis. Cada vez que me lembro de ter na mão a expansão “German Railroads” para o “Russian Railroads” e de não ter comprado pro achar que o podia fazer depois penso neste fenómeno. Hoje essa expansão está esgotadíssima e sem perspetivas de ser editada, com as cópias existentes a atingirem os 200€ no mercado de usados. Mesmo longe do Kickstarter, isto acontece em alguns jogos e nem precisam de ser muito antigos. Por serem objetos físicos a sua disponibilidade é sempre limitada, e não se “copiam” facilmente como os jogos digitais. Jogos como os da Splotter sofrem desse fenómeno, embora ai pareça ser algo mais intencional. Poucas edições, esgotar do stock novo instantaneamente e escalada de preços no mercado de usados. 

Com a experiência vamos desenvolvendo esta capacidade de avaliar que jogos devemos comprar e quais podemos passar. No entanto nada garante que percamos realmente boas oportunidades. O medo de estar de fora é permanente, mesmo para os mais experientes. 

autor: Micael Sousa

domingo, 14 de junho de 2020

Recomendações de podcasts sobre jogos de tabuleiro

Há cerca de um ano comecei a ouvir podcasts sobre jogos de tabuleiro. Até esse momento nunca tinha dado muita atenção a esse formato de conteúdo para abordar os jogos. Buscava, tendencialmente, recursos em formato de vídeo, pois parecia-me obvio que tinha de ver os jogos, os seus componentes e dinâmicas simuladas. 

No entanto, de todos os canais que seguia, com o tempo a informação começou a saber sempre ao mesmo, com os seus vídeos tutoriais, algumas análises que tendiam para a superficialidade, marcadamente anedóticas. De notar que uso aqui o termo anedótico sem conotação negativa, apenas como adjetivo de um conhecimento que tem valor, mas que não está sistematizado, ou pelo menos não sistematizado de uma forma que possamos usar diretamente para outros objetivos.

Por isso, assim quase sem planear, aproveitando as viagens que tinha de fazer de carro até Coimbra e a outros locais que me faziam gastar tempo considerável em viagem, em que a única opção é poder ouvir, comecei a tentar ouvir alguns podcasts. Experimentei vários e neste momento continuo a ouvir 4 deles sempre que posso, por razões diferentes. Vou apresentá-los de seguida por ordem de preferência pessoal. Vou citar também duas menções honrosas que me parecem interessantes, mas que ainda não ouvi vezes suficientes para poder ter opinião totalmente definida. Vou falar apenas de podcasts em inglês, pois ainda não comecei a explorar outros.

Menções que vale a pena ver também:
Ouvi apenas 2 ou 3 episódios destes dois podcasts. Pareceram-me interessantes nas abordagens, mas ainda não foi suficiente para os poder descrever. Apesar disso ficam aqui as ligações para poderem avaliar:
Rhado Talks Through
No Pun Included

Pode parecer estranho estar a referir este podcast tendo em conta que comecei por dizer que procurava informação sistematizada sobre jogos. Mas o Shut Up & Sit Down não é tão absurdo como parece, especialmente na versão podcast. Os autores tentam fundamentar as suas análises, mas sem deixarem de lado o humor. É algo difícil de conseguir, mas penso que eles conseguem. Têm-me sido imensamente úteis. Referem jogos que eu jamais iria considerar, como Party games, alguns amerigames cujas mecânicas são refrescantes e a tender para o hibridismo influenciado pelos eurogames. Também falam de eurogames de um ponto de vista critico, algo essencial para quem - como eu - está centrado nestes jogos. É imperativo ouvir o contraditório para apoiar a formulação de autocríticas. Ligação disponivel aqui.


Neste Podcast do conhecido projeto dedicado a jogos mais pesados, onde o vídeo também é o seu principal formato de publicação de conteúdo, surgem algumas preciosidades. Pensa a baixa produção do formato podcast, mas os poucos que fazem são bons. Ficamos a conhecer melhor o anfitrião do heavy Cardboard, o Edward, pois no seu podcast partilha muito dos seus gostos e preferências, especialmente quando faz os episódios sozinho. Para quem gosta de jogos mais pesados vai gostar de ouvir, pois nem sempre temos oportunidade de ver abordados em áudio os jogos mais complexos. Ligação disponível aqui.



Neste podcast temos 4 amigos que falam do hobby. Este podcast é uma expressão concreta do hobby, de como se formam amizades e podem ser levadas ao ponto de gerarem projetos com impacto. Aqui os 4 amigos, mas que muitas vezes são somente 3, ainda que recebem também visitas de outras pessoas que lhes são próximas, falam dos jogos que jogam, das situações que acontecem ao jogar, com um foco no meta jogo. Apesar de serem americanos, falam muito de eurogames também, o que torna os conteúdos mais ricos. Um podcast cheio de humor intrínseco, em que parece que estão a falar connosco diretamente. Ligação disponível aqui.



Ludology
Este podcast é uma obra prima. Um produto precioso, que poderia muito bem fazer parte do programa de uma disciplina de game design no ensino superior. Cada episódio é uma lição. Aprendi imenso a ouvir os anfitriões e seus multiplos convidados. É uma fonte de conhecimento que complementa bibliografia dos estudos dos jogos. Sem dúvida para mim o melhor podcast de todos, aquele que nunca posso perder, pois é essencial para sentir que estou continuamente a aprender. Não será um poscast para todos os jogadores de hobby, pois vai mundo fundo nas análises dos jogos, sem se forcar em jogos demasiado concretos. Este podcast não serve propriamente para conhecer novos jogos ou estudar um jogo em particular. Nele fazem-se puros exercícios que tentam a desejada e rara sistematização, numa área onde é tão difícil fugir ao conhecimento anedótico. Ligação disponível aqui.



Autor Micael Sousa

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Jogos de tabuleiro para desenvolver competências nos profissionais de saúde

Todas as civilizações têm os seus jogos e desde tenra idade que uma imensidão de jogos nos fascinam e desempenham um papel importantíssimo na nossa aprendizagem e desenvolvimento. Continuamos a jogar pela vida fora, mas a perceção tende a mudar. Apesar disso o nosso cérebro mantém-se plástico ao longo da vida, pelo que nunca deixamos de aprender, mesmo em idades mais avançadas.
Os jogos geram experiências e estéticas que nos fascinam e emocionam. Transportam-nos para espaços imaginados onde tudo pode ser experimentado e testado. Logo os jogos são arenas de teste, mas diferentes das brincadeiras, pois essas não têm de ser estruturadas, não de ter regras definidas nem objetivos para alcançar. 



Todas estas características dos jogos permitem que sejam utilizados, mantendo a diversão, em contextos sérios. Através deles podemos treinar competências, melhorar as que temos e desenvolver até novas, num ambiente seguro, pois nos jogos a perda não tem consequências negativas. Nos jogos aprendemos perdendo simbolicamente, aprendemos errando e testando novas formas de abordar os desafios que nos são apresentados. 

Mas existem muitos jogos, de todos os tipos e com características que se adequam mais a certos contextos de aprendizagem e treino que a outros. O caso dos jogos analógicos, na sua maioria jogos de tabuleiro, porque se jogam sobre uma superfície, existem vantagens únicas. São naturalmente mais colaborativos, pois necessitam do envolvimento ativo dos jogadores para funcionarem. São mais transparentes nas suas mecânicas, permitindo adaptações com facilidade. Ao serem assim flexíveis, são excelentes para aplicar a contextos e objetivos particulares. Por serem necessariamente presenciais, vivendo da materialidade dos componentes e da riqueza da interação humana, são perfeitos para desenvolver competências sociais, muitas delas associadas ao que conhecemos por soft skills, as competências ditas suaves, mas que são essenciais. 



Por isso estamos a propor um projeto inovador, nascido em Leiria, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria (ESSLEI-IPLEIRIA). Uma ideia que consiste em aproveitar os novos designs de jogos de tabuleiro modernos, aqueles que os Boardgamers de Leiria da associação Asteriscos têm utilizado nos seus múltiplos projetos educativos e sociais. Com base nisso estive a ajudar a Marlene Rosa, investigadora e professora da ESSLEI-IPLEIRIA a criar um projeto para candidatarmos às Academias de Conhecimento da Gulbenkian. Nesse projeto propomos desenvolver sessões de treino de soft skills para que os futuros profissionais de saúde possam estar ainda mais preparados para lidar com as experiências e interações humanas em contexto de trabalho. Para isso queremos ajudar a desenvolver a comunicação motivacional, escuta ativa, gestão de expetativas, gestão de conflitos e tomada de decisão, tal como o estímulo criativo, entre outras. O projecto chama-se Gym2beKind, pois no fundo pretende criar um ginásio para treinar para a simpatia e humanização através da diversão. 

Para conhecer, votar e partilhar este projecto basta seguir este link: https://wn.nr/xsHRQt

Texto publicado no Diário de Leiria

Autor: Micael Sousa
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